Tive uma conversa cult, altamente inspiradora, com meu amigo Fernando Corbo. Tema: intervencionismo. Debatíamos sobre o alcance das nossas intervenções na vida, rotineiras e mesmo inconscientes, e a confrontávamos com o naturalismo, com a ordem ditada pelo sopro do vento, pelo molhado da chuva, pelo árido do deserto, pela ardência do fogo…
Ainda me encanto com esse pensamento sem amarras, desprendido, vertiginoso, que goza da companhia das estrelas e dos astros, em rebates sem fim! Me entusiasmo com a velocidade do giro dessas ideias, habituadas à harmonia da escuridão e da confusão ― porque se tratam apenas de um processo ou preparo, de habilitação à luz e à suprema conformação ―, à semelhança de uma jovem bailarina em seu longo rodopio, equilibrado e elegante, sobre um único e pequeno apoio, sem que ninguém a tenha por manca, mas apenas por bela.
Nesse sentido, ou melhor, sentindo a vida por esse ângulo, não há cabimento na proibição ao comércio varejista de artigos de conveniência em farmácias e drogarias. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – pela Anvisa editou as Resoluções RDC 328/1999 e 173/2003 como esse propósito intervencionista.
Em contrapartida, vários Estados já expressavam sua anuência oficial para que farmácias e drogarias vendessem produtos de conveniência, como pilhas, colas, isqueiros, cartões telefônicos, perfumes, repelentes, artigos para bebês, chocolates, sorvetes, doces, salgados, biscoitos, picolés, bebidas não alcóolicas etc. Aliás, quem vá aos States poderá adquirir smartphones e seus acessórios em bem equipadas drugstores.
Mas a Procuradoria-Geral da República também tem um quê intervencionista. Em “defesa da saúde”, acionou a Corte Constitucional com as Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADIs 4948, 4949, 4953 e 4954, e contra as leis estaduais de Roraima, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Acre, respectivamente.
A última ação, relatada pelo Ministro Marco Aurélio, teve, no dia 11 de setembro de 2014, o mesmo julgamento das demais, no qual se reafirmou que, ao tratar sobre a venda de produtos de conveniência em farmácias e drogarias, o legislador estadual não tratou sobre “defesa da saúde”, mas sim sobre comércio local. Ainda se replicou o entendimento de que a União, quando versou sobre a venda de remédios em farmácias e drogarias por intermédio da Lei 5991/1973, dispõe sobre o controle do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, sem que manifestasse qualquer proibição com relação à oferta de produtos de conveniência.
Não houve nenhuma invasão na esfera de competência da União, quando a lei federal apenas entregou a exclusividade da venda de fármacos. A rigor, as resoluções da Anvisa é que se mostraram inconstitucionais ao violar o princípio da legalidade, instituindo vedação que somente poderia ser introduzida no ordenamento jurídico por meio de lei.
O Plenário da Suprema Corte, enfim, levantou o telhado da interpretação constitucional, deslumbrou-se com a beleza dos céus, sorveu a pureza do ar dos campos e escreveu sobre a terra que impor restrições à atividade comercial das farmácias e drogarias como forma de proteger o direito à saúde da população é desproporcional, gerando “desvantagens que superam em muito eventuais vantagens”. Menos intervenção pelo bem da nação!