O Brasil só elevou a política de consumidores a Política de Estado em 15 de Março de 2013, como homenagem aos seus nacionais em plena efeméride do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor.
E o Brasil foi, registe-se, pioneiro em tantos domínios, mormente no que tange a esse monumento jurídico que é o seu Código de Defesa do Consumidor (para outros, de Proteção e Defesa …)!
De resto, para quem, como nós, participou da elaboração do CDC nos anos terminais de 80 e no começos de 90 do século transacto, soava sempre a estranho que jamais se tivesse arvorado a política de Estado a promoção dos interesses e a protecção dos direitos do consumidor.
E, entretanto, até à consecução de um tal objectivo decorreram cerca de 23 anos após a auspiciosa promulgação do Código!
Os pontos mais marcantes de tão magno propósito ali se exprimem, como se tem por curial.
Em um tal congenho se define emblematicamente, como diretrizes do denominado Plano Nacional de Consumo e Cidadania, um sem-número de pilares, como :
1.º – o da educação para o consumo;
2º – o de uma adequada e eficaz prestação dos serviços públicos;
3.º – a garantia do acesso do consumidor à justiça em ordem a dirimir os conflitos em que o enredem;
4.º – a garantia de produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho (com reflexos na sua estabilidade psico-emocional e na própria bolsa);
5.º – o fortalecimento da participação social na tutela do estatuto dos consumidores;
6.º – a prevenção e a repressão de condutas que violem a carta de direitos do consumidor; e, por último, mas com não menor relevância,
7.º – a autodeterminação, a privacidade, o sigilo e a segurança das informações e dados pessoais prestados ou coletados, inclusive por meio eletrônico.
Como objetivos do Plano Nacional de Consumo e Cidadania se compendiam, consequentemente, num cacharolete de propósitos:
. garantir o atendimento das necessidades dos consumidores;
. assegurar o respeito à dignidade, saúde e segurança do consumidor;
. estimular a melhoria da qualidade de produtos e serviços em circulação no mercado de consumo;
. diligenciar de molde a prevenir e, se for o caso, reprimir condutas que afrontem a carta de direitos do consumidor;
. promover o acesso a padrões de produção e consumo sustentáveis; e
. assegurar a transparência e convocar a harmonia no quadro das relações de consumo.
O Plano Nacional, que se espera venha a materializar-se sem delongas, assentará em três eixos nucleares (enquanto suporte de segmentos de atuação, de intervenção, de concretização no terreno) que se perfilam como segue:
1.º – prevenção e redução ou atenuação do número de conflitos;
2.º – regulação e fiscalização; e
3.º – fortalecimento (pelos meios mais adequados e consequentes laboriosamente desenvolvidos) do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
O primeiro dos eixos – o de prevenção e redução de conflitos – é constituído, dentre outras, pelas ações cuja enunciação segue:
I – aprimoramento dos procedimentos de atendimento ao consumidor no segmento pós-venda de produtos e serviços;
II – criação de indicadores e índices de qualidade das relações de consumo; e
III – promoção exauriente da educação para o consumo, incluída a qualificação e capacitação profissional em defesa do consumidor.
O eixo da regulação e fiscalização, que importa desenvolver com zelo e apego permanentes, já comportará:
I – instituição de avaliação de impacto regulatório sob a perspectiva dos direitos do consumidor;
II – promoção da inclusão, nos contratos de concessão de serviços públicos, de mecanismos de garantia dos direitos do consumidor;
III – ampliação e aperfeiçoamento dos processos fiscalizatórios quanto à efetivação de direitos do consumidor;
IV – garantia de autodeterminação, privacidade, confidencialidade e segurança das informações e dados pessoais prestados ou coletados, inclusive por meio eletrônico;
V – garantia da efetividade da execução das multas; e
VI – implementação de outras medidas sancionatórias relativas à regulação de serviços.
É patente que um Plano assim concebido, se criteriosamente executado, logrará as metas que se propõe, reconstruindo-se um edifício que, nas soluções de continuidade de que foi dando mostras, carecia de um esforço de reabilitação para reunir adequadas condições de habitabilidade susceptíveis de albergar a contento todos os que integram a comunidade nacional e os que de forma acidental ou permanente logrem no Brasil, pátria de acolhimento dócil e terno, seguro abrigo.
Em complemento, seja-nos lícito sugerir, enquanto observador oriundo de paragens outras, um alienígena, afinal, que regressa sempre aos seus lugares de eleição, os domínios essenciais em que tais políticas se deveriam exprimir no imediato:
1. Reforço da disciplina do Direito do Consumidor nas Universidades, contrariando, porém, a tendência para a sua inserção no currículo como disciplina optativa;
2. Peculiares exigências neste particular nas Escolas Superiores da Magistratura, Ministério Público e Advocacia, de forma a habilitar os juristas a um pleno exercício do seu múnus funcional, em obediência ao ordenamento e sem prejuízo da específica tutela da posição jurídica do consumidor;
3. Inserção da Educação e Formação para o Consumo nos curricula escolares no ensino fundamental como no ensino médio, se não mesmo no ensino superior;
4. Desencadeamento de campanhas adequadas de informação para o consumo nos meios de comunicação social de forma regular e maciça;
5. Reforço dos meios e incremento dos PROCON’S Estaduais e Municipais para que a informação e a mediação dos conflitos se opere de forma ajustada às necessidades;
6. Reforço dos Juizados Especiais com secções vocacionadas à litigiosidade de consumo, onde tal se justifique, para que os conflitos que amiúde ocorrem se dirimam de forma célere, segura e graciosa, contrariando-se a tendência, face ao volume processual desmesurado que em tantos domínios se observa, para um alongamento no tempo da resolução dos litígios, com manifestas desvantagens para os consumidores e sua estabilidade emocional;
7. Monitorização do acesso da generalidade dos consumidores, em particular dos hipossuficientes e vulneráveis, como dos hipervulneráveis, a produtos e serviços essenciais – da dieta alimentar à água, à energia, aos transportes públicos e ao mais havido por essencial;
8. Acesso dos consumidores à sociedade digital com peculiar tutela no domínio do comércio eletrônico;
9. Acesso dos consumidores a um sistema de consumo sustentável;
10. Efetivo contrôle dos serviços prestados pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, como forma de obstar ao fenômeno erosivo do superendividamento que dissolve as próprias bases tanto da sociedade como das famílias.”
O contributo que em cada uma das páginas da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo se vem prestando, ao longo de quatro anos de sucessivas edições, concorre deveras para que uma tal política se afirme de forma inconcussa tanto no Brasil como na outra riba do Atlântico, onde, afinal, nos postamos, e em que se registou estranhamente uma manifesta quebra em plena crise económica e financeira, quando mais instante seria a necessidade de intervir em favor sobretudo dos desvalidos da fortuna, muitos dos quais oriundos das classes médias que soçobraram, entretanto, pela austeridade implacavelmente imposta, de forma cruenta a roçar a indignidade, pelas instituições internacionais intervenientes (FMI, União Europeia, BCE)…