A expressão que se tornou ditado popular tem origem num “cawso” curioso tingido de muito sangue, ocorrido há mais de seis séculos, na data certa de 7 de janeiro de 1355, de acordo com o calendário Gregoriano. Neste dia sinistro, Portugal escureceu tenebrosamente e mergulhou na Era das Trevas. A alma de todo o povo foi vendada por um julgamento sumário, executado com uma decapitação.
A História retrata Inês de Castro como dona de rara beleza, com penetrantes e suaves olhos verdes-mar, longos cabelos loiros, recaídos sobre seu colo todo cândido, todo etéreo, enevoado de encanto sob os tons azuis das vestes que cuidava preferir. Galega de nascimento, chegou a terras lusitanas integrando a comitiva que cortejava Constança Manoel, na destacada condição de sua dama de companhia.
O consórcio de Constança e D. Pedro, filho do rei Afonso IV, em agosto de 1340, na Sé de Lisboa, revelou ao mundo a intensidade do amor que tange ardentemente as fibras do coração português. No verso cantado por Júlio Dantas na peça “A Ceia dos Cardeais”, o Cardeal Gonzaga divaga:
― Em que pensa, cardeal?
― Em como é diferente o amor em Portugal!
Nem a frase sutil, nem o duelo sangrento…
É o amor coração, é o amor sentimento.
Uma lágrima… Um beijo… Uns sinos a tocar…
Um parzinho que ajoelha e que se vai casar.
Tão simples em tudo! Amor, que de rosas se inflora:
Em sendo triste canta, em sendo alegre chora!
O amor simplicidade, o amor delicadeza…
Ai, como sabe amar a gente portuguesa!
Mas o amor em questão não é o de D. Pedro e Constança, mas do príncipe herdeiro e Inês de Castro, que quando se viram sentiram o mesmo bulício. O desassossego que lhes tomou de roldão foi o início de uma dor recatada, respeitosa e por demais sofrida. Pelo tanto que suas vidas foram avassaladas pelo fervor que partilhavam, o rei Afonso IV determinou o exílio da jovem da Galiza no Solar dos Albuquerques, em Castela, onde deveria represar as ânsias do seu afeto no convívio com a tia D. Tereza Albuquerque.
Com a morte de Constança, em fins de 1345 ― no parto de Fernando, que mais tarde sucederia o pai no trono de Portugal ―, a impetuosidade de D. Pedro o leva a Albuquerque, contra a vontade do rei, e o mantém ao lado de Inês de Castro pelos dez anos que se seguiram. Não viveram mais porque, deixando o isolamento, a vida nômade e anônima, fixaram residência na visível Coimbra…
Enquanto transcorriam os festejos natalinos de 1354 e os preparativos para o Ano Novo, Afonso IV não se conformava, não descansava. Num típico processo inquisitorial daquela época, em que apreensões com a sobrevivência da dinastia se misturavam com elaborações políticas outras, o incômodo com a presença dos irmãos estrangeiros de Inês, associado à dizimação do povo pela Peste Negra, deglutindo cada vez mais vidas, levou à convocação de um conselho real para que fosse proferida uma solução.
Supunha-se que uma sentença resgataria o bem maior, em prol de toda a nação. Naqueles tempos, em que a Igreja retirava de seu título a designação “Cristã” para se aclamar “Católica”, santos eram cultuados do mesmo modo que se fazia aos deuses do Paganismo, e talvez estivessem enfurecidos com a união espúria de D. Pedro e Inês de Castro… Tantas cogitações naqueles séculos de fuga da ponderação conduziram o sórdido conclave à determinação de que a bela mulher deveria ser degolada.
Na tarde de 7 de janeiro de 1355, quando da caça com alguns convidados nos arredores de Coimbra, aproxima-se um tropel. O cavaleiro recém-chegado dirige-se a D. Pedro para transmitir a desesperadora notícia de que Inês havia sido arrancada com violência do leito e dos três pequenos filhos do casal. Ao retornar ao castelo em cavalgada desenfreada, entra trôpego pelos corredores, com gritos desprendidos da garganta de veias estufadas, a pele febril pelo sangue fervido. Bradava o nome Inês. Encontra a fiel aia da dama com os cabelos grisalhos desalinhados, alma ferida por aguda dor, sustendo as crianças no colo e nas pernas. Apenas diz:
― Agora, Inês é morta!
D. Pedro proclama guerra contra o próprio pai e organiza um exército em marcha para o Porto. Conta o povo da Lusitânia que somente foi dissuadido de lutar até a morte por influência da sua avó Isabel de Aragão. A Rainha Santa, a mesma que transformou pães em rosas, teria inspirado Álvaro Pereira, o guardião do Porto, a estender os símbolos nacionais sobre as barricadas. Também teria soprado uma branda e gélida brisa sobre o furor implacável do neto, para que então fossem firmadas as Pazes de Canaveses em 5 de agosto de 1355. Com elas, o infante dividia com o rei a administração do reino. D. Pedro assumia então a Justiça de Portugal.
Ao se tornar o rei Pedro I, no início de 1357, é oficializada sua união com Inês de Castro através da Declaração de Cantanhede, de 1360, e celebra a coroação da sua eterna amada como rainha, trasladando seu corpo de Coimbra a Alcobaça, numa cerimônia que percorria estradas iluminadas por tochas, a cujas margens camponeses se ajoelhavam reverentemente. Pedro I seguiu a longa caminhada, vencendo a madrugada; Inês parecia sorrir. Após um dia de viagem, Pedro e Inês alcançam a praça de Alcobaça, recamada de pétalas de flores. A coroação póstuma acontece na catedral, onde se dá um longo desfile pelo túmulo esculpido pelos mestres da escola coimbrã. O tradicional beija-mão da rainha se passa aos sons da suave charamela.
A comoção e o cansaço prostraram Pedro I que, apesar de sereno e aliviado com a cerimônia em homenagem à campeã de seus sonhos, ainda repete para si mesmo:
― Agora, Inês é morta!
A coisa julgada cristalizou a mais vil injustiça!