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O Brasil é uma realidade feita de sonhos. Sonhos chamados gente!

Não se trata do cantor Milton Nascimento; é o Milton Santos. Eu não disse Nilton Santos, o beque bicampeão mundial de futebol. Repito: Milton Santos. Não nasceu no Rio de Janeiro, São Paulo ou Minas Gerais; veio da Bahia. Sua arte não é a música ou o futebol; é intelectual. Todas essas explicações se fazem necessárias quando ainda hoje se faz preciso apresentar o ilustre gênio brasileiro.

Uma rápida biografia pode ajudar a conhecê-lo melhor. Nascido em Brotas de Macaúbas, no interior baiano, a 3 de maio de 1926, Milton Santos se graduou em Direito para transformar a geografia mundial, dedicando-se, especialmente, aos estudos sobre a urbanização dos países em (grande dificuldade de) desenvolvimento. Na infância atravessou pequenos municípios baianos, tendo sido alfabetizado por seus pais e avós maternos, professores do antigo ensino primário.

Versado em francês pelos mesmos professores que constituíam sua família ― ou vice-versa, tanto faz ―, na adolescência já lecionava Matemática e Geografia. Na faculdade, dividiu a vida acadêmica com a vida política esquerdista. Após obter o bacharelado, a Geografia absorveu suas forças, exercendo o magistério público dessa matéria no Colégio Municipal de Ilhéus e escrevendo a obra “Zona do Cacau”, sob manifesta influência da escola francesa.

Aos 32 anos, havia concluído o doutorado na Universidade de Estrasburgo. De regresso ao Brasil, criou o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais, em constante troca de pensamentos com mestres franceses. Em 1961, é nomeado pelo presidente Jânio Quadros para a subchefia do Gabinete Civil. Viaja, então, a Cuba com a comitiva presidencial ― o suficiente para o seu registro nos cadastros dos órgãos de segurança nacional após o golpe de 1964.

Durante a repressão militar é perseguido e se revela um peregrino. Da prisão domiciliar que asfixiava sua pujança catedrática, logra, pela intervenção de aliados da educação e política, o exílio iniciado em Toulouse, seguindo para Bordéus até alcançar Paris, ministrando aulas na portentosa Sorbonne, em 1968, e dirigindo as pesquisas de planejamento urbano no Institut d’Étude du Développement Economique et Social.

Findos três anos na Cidade Luz, decide preencher os espaços do mundo, emitindo das universidades, que se faziam suas estadias prediletas, seu manancial fluido, mas robusto.

No Canadá trabalha na Universidade de Toronto. Nos Estados Unidos, recebe o convite para ser pesquisador no Massachusetts Institute of Technology e trabalhar com Noam Chomsky. Na Venezuela, é diretor de pesquisa sobre planejamento da urbanização do país a serviço da ONU. No Peru, é contratado pela Faculdade de Engenharia de Lima e pela Organização Internacional do Trabalho para elaboração de estudo sobre a pobreza urbana na América Latina. Na Inglaterra, convidado para lecionar no University College de Londres, mas os empecilhos raciais frustram o tentame. Na Tanzânia, organiza a pós-graduação em Geografia da Universidade de Dar es Salaam. Finalmente no Brasil, é repatriado pela Universidade de Campinas.

Por aqui, abrilhantou o corpo docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade de São Paulo e da Universidade Católica de Salvador.

Em “O Espaço Dividido”, sua obra-prima de 1979, desenvolve teoria sobre o desenvolvimento urbano nos países periféricos, sendo reconhecida como um clássico mundial. Dois anos antes do seu falecimento, lança “Por Uma Outra Globalização”, com crítica magistral à perversidade da globalização nascente e à sua ideologia unitarista, que sufocava outras possibilidades de integração entre os povos, transformando o consumo em ideologia de vida, fazendo de cidadãos meros consumidores, massificando a cultura em padrões rígidos, concentrando a riqueza em centros frouxos e supranacionais.

Laureado com o Nobel de Geografia, intitulado Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud, em 1994, cinco anos mais tarde seria chamado pelo Geógrafo Universal a desbravar o Espaço Maior!

Autor de mais de 30 livros, Doutor Honoris Causa de 15 universidades das Américas e Europa, pai de dois filhos, rascunhou num simples papel a nobre missão na qual entendia que alguns poucos no Brasil poderiam lhe ajudar:

― O intelectual existe para criar o desconforto, é o seu papel. E ele tem que ser forte o bastante sozinho para continuar a exercer esse papel. Não há nenhum país mais necessitado de verdadeiros intelectuais, no sentido que dei a esta palavra, do que o Brasil.

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