Trago uma nota sobre um Brasil diferente, um Brasil que se coloca como uma nação moderna e responsável, um Brasil que produz legislação de boa qualidade.
Não me refiro à “beleza” do Código de Defesa do Consumidor, que já está em vigor há mais de vinte anos, e já recebeu inúmeros e merecidos elogios, como uma das leis mais modernas do mundo jurídico internacional, no tema relações de consumo.
Quem milita na seara dos direitos do consumidor sabe disso, e sabe também que há abusos e má fé na aplicação do Código, o que acaba gerando uma antipatia injusta pela lei.
Mas, voltando ao ponto, é certo que quando esse Brasil diferente atua, é produzindo leis como a 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção; a Lei 12.305/2010, que institui a política nacional de resíduos sólidos, e até uma simples resolução do Banco Central do Brasil, a de número 4.327/2014, que implementa a política de responsabilidade socioambiental das instituições financeiras.
Esses normativos envolvem as pessoas de toda a cadeia produtiva, todo o conjunto dos atores de uma determinada situação jurídica.
O pequeno exemplo da Resolução 4.327/2014, do Bacen, serve para entendermos a dinâmica, o objetivo e o alcance dessa nova realidade.
Sintetizando, essa resolução traz para o mundo jurídico a responsabilização das instituições financeiras por danos socioambientais causados pela execução de projetos financiados por elas, mas que sejam nocivos à sociedade e ao meio ambiente.
Os bancos já não podem apenas emprestar dinheiro. Eles agora se responsabilizam pelos danos que os projetos financiados por eles venham a causar ao meio ambiente.
Vejam que o sistema vem se modificando aos poucos. Percebam que a velha teoria jurídica da causalidade adequada, que atribui a responsabilidade civil aquele que teve a última e melhor chance para evitar o dano, está em cheque. E assim acontece com a Lei 12.305/2010, que institui a política nacional de resíduos sólidos.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça julgou recurso de uma empresa de bebidas que foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Paraná. O Ministério Público havia ajuizado ação civil pública para obrigar a empresa a dar bom destino ao seu lixo industrial, a implementar política de recolhimento das garrafas tipo pet, que distribui no comércio. O TJ do Paraná acolheu o pedido do MP e condenou a empresa a implementar a política do recolhimento do lixo.
Mas a discussão vai adiante. O STJ debate o tema e o alcance da responsabilidade. A Lei traz um sistema de responsabilização complexo, que procura atingir a todos os atores da cadeia de trabalho, ou seja, o produtor, o distribuidor, o consumidor (que deve também dar destino certo ao lixo), o poder público (que deve fazer a coleta seletiva), enfim, envolvendo toda a cadeia do sistema produtivo.
A Lei Anticorrupção, por sua vez, passeia pelo mesmo caminho. O leque de responsabilização é amplo. Corruptor direto e corrompido não estão sozinhos no campo de abrangência da responsabilização. Os organismos ligados ao corruptor são atingidos pela Lei. A empresa empregadora do funcionário corruptor, por exemplo, mesmo não estando em esquema de dolo, pode sofrer as sanções previstas.
Esse é o alcance da Lei, que traz a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica envolvida no crime.
Essa Lei modifica uma realidade. As empresas vão precisar implementar políticas preventivas, investir nas regras de compliance, criar canais diretos de denúncia, aditar seus manuais e criar mecanismos de controle e fiscalização do cumprimento desses manuais.
As empresas vão precisar dar foco nos seus pontos de contato com o poder público.
Departamentos Jurídicos vão precisar de rigor na fiscalização do seu corpo de advogados, estagiários e prepostos, enfim, de todo o pessoal que atua na linha de frente, no contato direto com os juízes e com os serventuários do Poder Judiciário.
As empresas vão precisar ser rigorosas no fiscalizar da atuação de seus funcionários, frente a fiscais públicos de qualquer natureza.
Não há outro meio de se proteger.
A Lei é rigorosa.
As sanções previstas no texto legal são pesadas. As multas podem chegar a 20% do faturamento da empresa no exercício anterior ao da abertura do processo administrativo.
Enfim, uma nova consciência está em jogo. E o País reage à ela com leis maduras.