A monografia em Antropologia Social de Mrs. Sybille Van der Spenkel, apresentada em 1962 à Universidade de Londres, guarda preciosa informação sobre curioso decreto expedido no século VII pelo imperador chinês Hang Hsi. A aplicada autora da obra “Instituições Judiciárias na China Manchu” viveu na grande república oriental de 1948 a 1950 e colheu dos alfarrábios da China Imperial a determinação soberana que se segue:
“Ordeno que todos aqueles que se dirigirem aos tribunais
Sejam tratados sem nenhuma piedade
Sem nenhuma consideração,
De tal forma que se desgostem tanto da ideia do Direito,
Quanto se apavorem com a perspectiva de comparecer perante um magistrado.
Assim o desejo para evitar que os processos se multipliquem assombrosamente.
O que ocorreria se:
Inexistisse o temor de se ir aos tribunais.
O que ocorreria se:
Os homens concebessem a falsa ideia de que teriam uma justiça acessível e ágil à sua disposição.
O que ocorreria se:
Pensassem que os juízes são sérios e competentes.
Se essa falsa ideia se formar, os litígios ocorrerão em número infinito
E metade da população será insuficiente para julgar os litígios da outra metade.”
Pois bem, desde 2000, uma comissão de juízes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mantém intercâmbio com os Tribunais Superiores de Beijing e Shangai, e busca entender o sistema judiciário chinês, cuja filosofia prescreve, em casos de condenação à morte, que a família do penalizado seja obrigada a indenizar o Estado pelo gasto com a bala disparada na nuca.
Talvez o que os magistrados cariocas realmente queiram da grande nação asiática seja uma maneira de refrear o acesso ao Judiciário “até nas coisas mais banais”, como diria Cazuza. Não que a saída ideal passe pelo terror psicológico proposto por Hang Hsi, mas há alguma lição que a ordem decretada à época do direito da força reserva para os novos tempos da força do Direito.