Os Duros Golpes da Goleada Histórica
Dor, vexame, humilhação, constrangimento… Empregamos essas palavras com destreza na descrição do dano moral. Mas nunca foram tão adequadas para exprimir o que os brasileiros sentimos desde a última terça-feira, somado ao quarto lugar com sabor de laranja azeda! Na fatídica tarde daquele dia, foi arremessado do espaço um granito sideral, de dimensões colossais, causando a extinção do orgulho do brasileiro. Nosso futebol, que exerceu longo predomínio sobre os gramados da Terra, chegou à extinção!
A telemática nos propiciou ao vivo, a cores, em High Definition, a visão apocalíptica do fim da era das manobras fantásticas; da exuberância plástica e funcional da “bicicleta” de Leônidas da Silva; do divino gênio da bola encarnado em Garrincha — gols certos por pernas tortas! —; das explosões de força e talento do rei absoluto Pelé — a definição mais completa de futebolista! —; do “elástico” preso à bola pela chuteira esquerda de Rivelino; do pequeno grande Romário, o homem-gol moderno; da representação nos campos da mitológica Fênix na pessoa do primeiro Ronaldinho; do futebol frenético do segundo Ronaldinho — pés ligeiros, olhos que veem além, balançou a rede como ninguém! —; do ciclismo invisível das “pedaladas” de Robinho; do flow bailado e gingado do Neymar; dos inúmeros jogadores extraclasse que pareciam comuns fora dos estádios e se revelavam mutantes X-Men diante dos adversários!
Quando as “ondas renovadoras” do acesso à justiça foram difundidas pelo mundo, era pouco provável que o seu idealizador, o italiano Mauro Cappelletti, tivesse em mente que a segunda onda, representativa do embrião da tutela coletiva dos direitos, traria um recado para a maior prática desportiva do planeta. Não havia mais espaço para processos individuais que automatizam os juízes na tarefa de exímios enxugadores de gelo, como não há mais lugar para o espetáculo das individualidades sobre gramados povoados por 22 jogadores…
Em todos os setores e segmentos, sob todos os ângulos e prismas, o ser humano é coletivo, social, conectado com iguais e desiguais, em troca permanente de passes longos ou curtos, tabelas rápidas ou lançamentos, da defesa ao ataque, atravessando o meio de campo, com volante ou armador… Esfregando os olhos para enxergar as menores partículas, vemos que essa é a realidade estabelecida em toda Natureza: a cada dia se descobre que a matéria mais elementar é o resultado da associação de outras ainda mais primárias… Assim foram conhecidos os átomos, mais tarde partidos em prótons, nêutrons e elétrons; seguidos dos quarks, léptons, glúons; até se chegar aos fótons ou bósons, as “partículas de Deus”… Apenas o início da sondagem da coletividade em escala nanométrica em direção ao infinitesimal…
Resistimos o quanto pudemos, trombamos como um goleador sem habilidade, mas a democracia, enfim, alcançou os palcos verdejantes para inaugurar o que Rosseau e Gramsci já anunciavam como videntes da Ciência Política. A “vontade geral” ou “vontade coletiva” prevalecerá na formação de uma nova ordem, também constituída de uma necessária reforma intelectual e moral.
Podemos concluir que assistimos a mais branda e silenciosa das revoluções, em que o jurássico individualismo cede para o nascente coletivismo popular brasileiro? Será que as lágrimas derramadas com as derrotas em campo regarão a semente da metamorfose do Brasil ? O país continental, pleno de riquezas naturais, cujas fronteiras são as linhas bem traçadas de um coração que pulsa emoção e compaixão, que acolhe sem distinção, cumprirá sua missão? O dano moral que abateu o grupo miscigenado de indígenas, portugueses, africanos, imigrantes, perseguidos, exilados, apátridas obterá como “autoindenização” o despertamento da alma vitoriosa de um só povo, da adormecida nação brasileira?
D. Menezes, muito bom. É o futebol deixando de lado a ideia individualista e se entregando às noções de solidariedade e coletividade, tão presentes hoje no campo jurídico. Garth e Cappelletti já davam a dica!
A Alemanha está de parabéns, um país que a um pouco mais de um século enfrentava dificuldades econômicas e estava arruinado. Mesmo após dois reveses seguidos em guerras, conseguiu dar a volta por cima economicamente e culturalmente. Um verdadeiro exemplo não só no esporte. Que sirva de exemplo ao Brasil.
Concordo, Dalton! Pelo talento e pela simpatia, inclusive ao homenagear os pataxós, a Alemanha pôde de despojar mais um pouco do estigma que há tanto carrega.
Acrescento ainda que seus apontamentos foram precisos, Dalton. Corrigiu minha injustiça ao esquecer de mencionar o companheiro de Cappelletti, Bryant Garth.
Seria bom! Lembro de uma imagem do Neymar em um desses jogos dizendo: “Só preciso de uma bola!”. Na hora pensei: É muito pouco! O eu sobre o nós. Tiraram a estrutura e a bola dele com um chute na coluna e o Neytime se perdeu. O time da Alemanha veio dar o “ar da graça” e deu. Entraram felizes e dispostos no Brasil mas não se fiaram só na emoção. Eles se divertiram no Brasil mas se prepararam muito bem para jogar aqui. Foram superiores, sem arrogância. Repetiram a palavra “time” dezenas de vezes, a cada fim de jogo. Foram um time de verdade a cada jogo. Muitos brasileiros, ao final, torcemos para eles. Eles nos deram uma goleada e despertaram a admiração por saber ganhar (a minha também). Gostei muito das suas comparações, caro D. Menezes. O coletivo é a saída. Somos da era “infinitesimal”. Só tenho dúvidas se estas sofridas partidas de futebol darão a partida na nossa metamorfose necessária. Sinto que ainda estamos todos em uma grande espiral de conhecimento, com níveis muito distintos e conclusões muito distantes.
Como de costume, perfeitas observações, Andressa!
Um ótimo texto, esse portal vem me surpreendendo com a qualidade, sigo acompanhando este assunto.
Que bom que agradou, Fernando! Sigamos “cawdialogando”!
Perfeito! Está ai uma das melhores e mais raras vontades do Ser Humano… “vontade coletiva”. Sempre que esta prevalecer colheremos bons frutos, seja no esporte, no trabalho ou na vida!
Exato, André!
O trabalho em grupo sempre vencerá o individualismo! Não basta termos vários craques em uma equipe, tem que existir a união!! Um craque sozinho não consegue driblar e fazer um gol! Assim como no futebol, temos exemplos na vida e no trabalho! Juntos somos um só!! Sozinhos não somos ninguém!!!
Cara Luciana, a ideia é exatamente essa!
Para que uma equipe execute um bom trabalho, antes de mais nada é necessário um bom líder, que ensine, trabalhe junto, reconheça os esforços de todos, onde o erro ou o acerto não é de um ou de outro, mas sim sendo todos responsáveis pelo que acontece.
Bem lembrado, Patrícia! Não podemos dispensar um líder.
O trabalho de renovação começa na educação das crianças que estão iniciando o desporto. O investimento nas categorias de base precisa começar na escola. Que sejam passados: disciplina, diretrizes, aplicação, responsabilidade social e humildade. A seleção campeã atingiu o apogeu coletivo após a educação dos jovens que hoje são campeões do mundo. Já a decadência do futebol brasileiro está justamente na falta de educação dos jogadores.
Verdade verdadeira, Gustavo! O seu comentário também serviria como uma luva para o post “As Crianças Merecem Algo Melhor”.
Esse título da Alemanha foi mais do que merecido. Eles mostraram o que é um verdadeiro time,
esbanjando talento, humildade e simplicidade. Sem falar que em apenas 1 mês, esse time fez mais pelo nosso país do que a maioria dos nossos políticos fizeram nesses últimos 4 anos. Eles doaram dinheiro para uma tribo indígena, doaram ambulâncias, reformarão uma escola municipal que será de tempo integral, irão construir um campo de futebol para moradores da região. A seleção Alemã deu um verdadeiro choque de realidade na seleção brasileira, para mostrar a essa sociedade que é patriota apenas de 4 em 4 anos, que esse nosso futebol está muito mais que ultrapassado. E a Alemanha não deu apenas uma goleada de 7×1 não. Enquanto eles estão em 5º lugar no ranking do IDH, nós estamos em 85º. Na saúde pública, eles estão em 25º e os nossos maravilhosos hospitais estão em 125º. E não é só isso, enquanto a Alemanha possui 102 prêmios Nobel, o Brasil não possui nenhum, até porque nesse país o que importa mesmo é se vangloriar apenas por sermos pentacampeão no futebol…
É mesmo, Fernanda! A maior aula se deu fora de campo, antes do jogo começar!