A Natureza Jurídica do Orgasmo
Um caso curioso.
É antigo, de 2005.
É bizarro.
É típico da “justiça americana”.
É tema delicado, porque envolve valores e costumes.
É tema sexual.
Ou melhor, é tema que envolve o “direito de propriedade”.
Uma Corte de Apelação em Chicago entendeu que “uma vez produzido, o esperma se torna propriedade” da mulher.
O médico Richard O. Philips acusou a também médica Sharon Irons de “traição calculada, pessoal e profunda”.
Segundo ele, ela guardou seu sêmen depois de fazerem sexo oral, e o usou para engravidar.
Philips diz que seu filho só foi conhecido quando Sharon ajuizou ação pedindo pensionamento alimentício.
O teste de DNA confirmou a paternidade.
Philips pediu indenização por danos morais, roubo e fraude.
A primeira instância da justiça americana rejeitou o pedido de Philips, e a Corte de Apelação confirmou a decisão.
Segundo o Tribunal, “a mulher não roubou o esperma”.
Os julgadores levaram em consideração o depoimento da médica, sustentando que, quando Philips “entregou seu esperma, isso foi um presente”.
Para a Corte, “houve uma transferência absoluta e irrevogável de título de propriedade entre doador e receptora”.
“Não houve acordo de que o depósito teria de ser devolvido quando solicitado”.
Piada? Não; verdade.
Fernando,
Um caso curioso e muito interessante. Tratar como direito de propriedade uma ejaculada, que não foi direcionada visando a procriação, ou mesmo sem a intenção, haja vista a completa impossibilidade, é difícil de entender.
Permitir que uma clara tramóia seja oficializada pelo Judiciário, é um precedente perigoso.
Não consegui segurar a gargalhada , Raul.
Mas, se você fosse o juiz, com quais fundamentos jurídicos daria razão ao médico? Fácil ou difícil?
Fernando, adotando como premissa apenas os fatos relatados no texto, seria fácil, em minha concepção.
Ação fraudulenta, com ardil irrefutável por parte da médica.
Justos, inclusive, os pedidos de reparação e indenização propostos pelo médico.
Na relação sexual desenvolvida entre as partes o homem não deu autorização prévia (oral ou escrita) de que o esperma possa ser utilizado para fins de reprodução. Logo, o que deve ser estudado é o por que a mulher resolveu colher o sêmen (de certa forma de maneira inapropriada), depois armazena-lo para a geração de um ser. O que deve ser investigado é qual o interesse nesta “concepção indevida“.
Há muito uma discussão já havia sido realizada dentro do meu escritório sobre concepção e chegamos a conclusão que no ato sexual poderia ser feito uma escolha para a não concepção (pílula anticoncepcional, camisinha, e, por fim, que o homem/reprodutor ejaculasse fora de sua companheira) e mesmo assim haveriam os riscos (como por exemplo estar o homem em grau etílico elevado e esquecer-se do “coito interrompido, entre outros exemplos). No caso em tela não havia risco salvo se “Deus” interviesse. Interveio? Resta claro que a mulher através de um ardil obteve uma vantagem que foi utilizar-se da criança para ter uma polpuda pensão alimentícia ou, em último caso, gerar um filho de alguém que considere importante – mesmo sem consentimento. Neste momento é bom lembrar do tema “melhoramento genético” onde a mulher selecionaria o “melhor companheiro” (há ainda quem acredite nisto). E bom lembrar que o objetivo da ação é pensão (mas também deve ser reconhecimento de paternidade). Ora, sendo médica, sabia como utilizar o “presente ofertado” para a concepção. Deu certo.
Quando o homem ejacula fora do corpo da mulher, o tempo de vida máximo dos espermatozoides não passa de alguns segundos, mesmo com a proteção do líquido seminal. Mas atenção! Em um ambiente estéril, protegido da desidratação (como um frasco de exames ou uma camisinha) o sêmen pode manter espermatozoides vivos por alguns minutos podendo chegar a até 2 horas. No entanto, se cair na pele, sobre a roupa eles podem viver somente alguns segundos!
Fonte: http://diariodebiologia.com/2013/05/12301/#.U8nqspRdV1Y
Não concordo com a corte americana quando diz que “houve uma transferência absoluta e irrevogável de título de propriedade entre doador e receptora”. Ora, segundo nosso direito os poderes inerentes à propriedade são usar, gozar, dispor e reivindicar. Ora, sabemos que em uma relação o homem pode liberar cerca de 300 milhões de espermatozoides e quando a corte atesta a transferência de título de propriedade dá o direito de doação e fico imaginando se a Dra. “Loca” resolvesse vender para 1000 mulheres que tivessem o desejo de ter o filho do Dr. Fulano de Tal ou do jogador Ciclano (este último faria mais sucesso em nosso país). Haveria o direito.
Já imagino a capa da veja: “Lula gera mais 700 filhos” ou “Valor desviado do mensalão não é suficiente para sustentar os filhos de Lula”, e a capa do Valor Econômico: “Cocaína encontrada no helicóptero do senador pertence a um dos seus 500 filhos ainda não assumidos”
O fato é que a médica deveria sim responder por crime pois para o processo de geração da vida deve haver algum consentimento para que seja efetivado o contrato de reprodução masculino/feminino. Logo, se o “presente” foi-lhe ofertado na “boca” que ali permaneça e não seja levada mecanicamente para o canal vaginal sob pena de ser responsabilizada civil e criminalmente.
Vou voltar a ler comunidades imaginadas de Benedict Anderson que indico.
Emanuel Gomes
Espetacular, Emanuel.
To me divertindo muito.
A propósito, essas aventuras eróticas para um público mais eclético e descolado, também tem dado o que falar aqui no Brasil. Um menina, cujo nome não citarei , mas está lá no judiciário, teve o direito de ter seus dois anos de relacionamento sexual/afetivo com um casal, como união estável.
A menina de vinte e poucos anos, conheceu o casal danadinho numa casa de swing em março de 2008. A partir de então, passou a dividir o ninho de amor com os pombinhos frequentemente. A menina foi convidada para morar no apartamento do casal. A coitadinha foi posta para correr quando o casal descobriu que ela estava se envolvendo com a filha deles.
O caso foi parar na vara de família. Disse o magistrado em sua sentença: “o casal (…) em concordância plena levou a jovem para dividir seus desejos, afetos e cotidianos. Custeou despesas médicas, acadêmicas e estéticas desta menina que trocou seu conto de fadas no interior pela aventura erótica de um casal de pervertidos. Nada mais justo que agora possa herdar o patrimônio construído durante os dois anos em que sua sexualidade foi tomada de forma terapêutica por esta família profanada”.
kkkkkkkk… justo…
Seria interessante que doutrinadores e jurisconsultos dessem à luz novas figuras e institutos jurídicos.
Posso concluir disso tudo que as novidades da insanidade humana não se encaixam nas definições de “direito da propriedade” e “união estável”.
No mundo de hoje em que vivemos, as únicas coisas que não acasalam são fenômenos modernos com conceitos arcaicos. Quanto ao mais…
Se a questão envolvesse a apropriação de sêmen guardado em empresa regular de fecundação (banco de sêmen), o tratamento jurídico do material genético seria diferente?
Questão desafiadora, que poucos se candidatam a responder, é sobre a natureza jurídica do esperma depositado em bancos de sêmen.
Vamos elucubrar; existem hipóteses para todos os gostos:
Hipótese Pinel (minha predileta)
Direito autoral? Vejamos: os direitos autorais são criações do espírito, da alma. A partir deles, o criador pode cuidar da sua cria e preservá-la assim como um pai cuida do próprio filho. Segurando na cauda do foguete, temos no art. 22 da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) os direitos morais de autor, intransferíveis, irrenunciáveis e inalienáveis, garantindo ao autor a conservação da obra como inédita, sua preservação de qualquer modificação que possa prejudicar sua reputação ou honra, sendo possível, a seu critério, retirar a obra de circulação ou suspender a utilização já autorizada quando implicar afronta à sua reputação e imagem. Mas, calma aí! Na verdade, as criações tratadas como direitos autorais são intelectuais. Então, essa hipótese só ajuda para começarmos a aquecer os neurônios, pensando “fora da caixa”.
Hipótese Rasteira (esoterismo de terceira)
Que tal, na seara do direito patrimonial, um bem móvel por força de lei? O art. 83, I, do CC, diz que “consideram-se móveis para os efeitos legais as energias que tenham valor econômico”. Quando se fala em “valor econômico”, prevalece a ideia patrimonial sobre a humana. Acho que a conversa não deve seguir por esse caminho. Porém, por mais incrível que pareça, para muitos a subtração de sêmen é considerada forma de furto de energia (energia genética) (art. 155, § 3º, do CP).
Hipótese Criminosa (realidade clandestina)
A verdade nua e crua criou a figura do direito ao corpo comercializável. A integridade física é inviolável (art. 13, caput, do CC) e abrange o direito ao corpo, incluindo “os seus tecidos, órgãos e partes separáveis, e o direito ao cadáver” (Francisco Amaral). Pelo fato de o esperma se tratar da célula reprodutora masculina, é considerado membro do corpo humano. Sua disposição poderia ser feita livremente, por decisão exclusiva de seu dono. Assim como o mercado de órgãos para transplante, há também bancos de espermas em funcionamento para o comércio de embriões, com a escolha do doador do sêmen com suas características pessoais, devidamente catalogadas como numa vitrine… Uma triste realidade que remonta à prostituição!
Hipótese Plausível (aconselhada pela Bioética)
O esperma integra o rol dos direitos da personalidade, sendo bem fora do comércio. O sêmen, como fluido orgânico masculino, ainda que considerado parte do corpo humano do doador, somente pode ser disposto de forma gratuita, “para fins de transplante, pesquisa e tratamento”. É expressa e constitucionalmente vedado todo tipo de comercialização (art. 199, § 4º).
Que viagem, hein, Fernando!
Era pra ser um comentário, e não um post…
Desculpem-me a extensão do diálogo!
Espetacular. Sensacional. Acabou o debate.