Casamento Hediondo
Quero distância desse casal!
Famosos, inteligentes, brilhantes! Um deles, jurista com carreira triunfante na advocacia pública, chegando a Advogado-Geral da União (AGU) no governo de Fernando Henrique Cardoso, até sentar na cadeira de ministro da Suprema Corte brasileira em 2002. O outro, um médico renomado, especialista em reprodução humana, pioneiro na fertilização in vitro no Brasil, reconhecido nacionalmente pelo tratamento de celebridades.
Apesar do sucesso em comum, em 2009 o primeiro detinha o mais alto posto da Justiça no Brasil. O segundo, no mesmo ano, teve a maior condenação penal da Justiça do Brasil. Decidiram se casar!
Com o poder máximo de livrar e prender em suas mãos, Gilmar Mendes entregou a Roger Abdelmassih a aliança da liberdade. Acusado de 52 estupros de pacientes em sua clínica, localizada em área nobre da capital paulista; condenado a 278 anos de prisão pela prática em série dos crimes hediondos de estupro e atentado violento ao pudor; listado entre os criminosos procurados pela Interpol, Abdelmassih teve a prisão preventiva decretada em decisão legítima. Constitucional, social e moralmente legítima.
Embora sua condenação esteja em grau de recurso, sua pena total possa vir a ser reduzida e sua prisão se submeta ao limite de cumprimento máximo de 30 anos previsto no Brasil (art. 75, CP), o ex-médico não terá direito a nenhum benefício penal. Na unificação em 30 anos da pena do acusado não há tanto amor quanto no coração de seu ministro enamorado, pois não lhe terá direito aos benefícios do livramento condicional ou da progressão de regime (Súmula 715 do STF).
Mesmo assim, o demolidor da alma de mulheres e de sonhos de famílias foi solto após quatro meses na prisão. O então presidente do STF considerou que seria desnecessário mantê-lo preso pois seu registro profissional já havia sido cassado. Afirmou que não haveria a possibilidade da reiteração das antigas barbaridades. Só faltou dizer:
— O meu pombinho deve voar!
Com todo esse incentivo, ele voou! Voou com as mesmas asas da liberdade com que o ministro já havia presenteado Daniel Dantas, preso pela Polícia Federal no caso Satiagraha, em 2008; Cristina Maris Meinick Ribeiro, condenada por sumir com o processo de sonegação fiscal da Receita Federal contra a Globo… Um exímio defensor das liberdades públicas! Um insensível exterminador da dignidade humana!
O pombinho foi recapturado em paragens paraguaias. Já se aventurou muito pelos últimos quatro anos incompletos! Será que fez novas vítimas?! Será que esse hediondo conquistador de juristas fará um novo enlace?! Quais presentes ganhará?! Quais outros dará?!
Um casamento hediondo! De arrepiar!
Nós, da área do direito, fomos treinados a pensar que juízes são santos. As decisões do Gilmar Mendes, por esse critério, têm um fundamento jurídico sério. Não admitimos, ou não admitíamos imaginar que a falibilidade humana chegaria a esse ponto. Mas, de fato, não interessa o fundamento das decisões, nesses casos. Mais interessa os resultados e as estatísticas das consequências das decisões desse nobre Ministro.
Senti que suas veias estufaram de revolta, Valentina! Faço minha a sua indignação!
Grande verdade, Fernando! Citando um exemplo, o ministro Gilmar Mendes já votou contra a concessão de habeas corpus ao editor de livros Siegfried Ellwanger, condenado pelo tribunal gaúcho por racismo contra judeus. Com razoabilidade, ele considerou que “não se pode atribuir primazia à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana”. Maravilha!
O que não entendo, permissa maxima venia, é como todo primor e fulgor jurídico do ministro cede lugar a fundamentos que me parecem tão pueris no julgamento de feitos em que uma das partes tem alto calibre econômico…
DM, você tocou em um vespeiro. Refiro-me à liberdade de expressão. Em uma sociedade democrática, há restrições à liberdade de expressão?
Eis aí um enorme dilema, Fernando! As biografias dos famosos estão por aí…
Entendo que denegrir a imagem, honra e dignidade de quem quer que seja não é uma prática que possa se abrigar sob o teto da liberdade de expressão. Mas, tratando-se da ponderação de direitos de envergadura constitucional, o ringue desse combate é o caso concreto, no qual se decidirá a quem cabe a vitória. Provavelmente por pontos, e não por nocaute…
Vou brincar, provocando: O Código Penal não proíbe matar alguém. Ele apenas prevê a punição pra quem o fizer.
Expressar-se com liberdade me parece seguir a mesma lógica. A liberdade é o âmago do nosso sistema.
Concordo, Fernando! Proibição absoluta só quem a pode estabelecer são as leis matemáticas, químicas e físicas, da gravidade, mecânica, ótica, fluidos, ondas, som, calor, eletricidade… Quem quiser vencê-las será humilhado, fulminado, esmagado, apequenado, desconcertado, iludido, afogado, incinerado, pulverizado…
O Direito Penal, em especial, se assenta, qual um grande Budha, sobre a terceira lei de Newton: “a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”. A bem da verdade, o direito é incapaz de cumpri-la integralmente. A lei, porém, é taxativa: “toda ação”. Onde encontraremos a reação para as ações que, no uso da liberdade, ferem a vida, integridade e valores alheios?
Provocação aceita! Vamos nos divertir com o mais sério raciocínio!