A Caixa Preta do Racismo
A incompreensível estupidez das diferenças biológicas na cor da pele desde a defesa da escravidão por Aristóteles. É mais um tema recorrente, uma realidade inegável que, infelizmente, não obstante o secular amarelar dos tempos, no velho e no jovem continente, continuam operando sob os vastos véus da estupidez humana.
O racismo, como vejo e o sinto, é um preconceito geralmente levado ao exagero, provocando graves consequências existenciais, normalmente pela relevância que algumas parvas pessoas dão às diferenças biológicas existentes entre uns e outros. E é então que uma certa caixa preta, da cor de uma pele tão brilhante, pela divina obra da natureza, assim dada para que as cicatrizes da injustiça moral e social não fosse tão aparente, aos olhos do sol forte que sobre essas valentes e guerreiras cabeças, de gerações em gerações, desaparecesse. É uma caixa preta, sim. Uma caixa grande, diferente daquelas alaranjadas da aviação, estranhamente assim pintadas, mas por outra classificadas, que guarda a hipocrisia e o preconceito humano. Fala-se muito do holocausto nazista, mas pouco, entretanto, sobre um dos maiores crimes que a humanidade viu e continua vendo diariamente. O holocausto nazista, diante de toda a sua incompreensível barbárie, numa historia mais recente, de curta duração, mas de mortífero alcance, assemelha-se ao crime do racismo, como um dos maiores da humanidade; – numa guerra sem fim.
A dor desse racismo que dói muito mais nos seus atos de preconceito as chibatas dos senhores do preconceito e da escravidão. A dor da exclusão é mais sofrida as que deixam calos nas mãos do sacrifício físico. A mente padece e destrói todo o organismo moral de um ser humano. Ninguém ainda ousou, realmente, abrir essa caixa preta de peito aberto. A cor da pele, absurdamente, continua escravizando toda uma sociedade de seres humanos. A importância que é dada à cor da pele do outro é realmente alarmante. A diferença de cor existente entre as pessoas tem um fundamento meramente científico, pois o que torna a pele mais ou menos escura é apenas a concentração de melanina e não qualquer outra razão que suporte a afirmação de superioridade ou de inferioridade de uma pessoa à outra. Não conseguimos, até hoje, que as correntes da desigualdade sejam definitivamente abertas e lançadas as profundezas de um mar bem distante desse mundo que vivemos. E, por favor, esqueçam as bananas. Banana não serve como instrumento de luta contra o racismo. Aliás, há um viés nesse simbologismo das bananas, na medida em que associa o alvo a um macaco, simplificando e humorizando uma questão extremamente importante.
O racismo é sério. Ainda morrem, no mundo, diariamente, muitas pessoas vítimas do racismo. Portanto, esqueçam as bananas e os macacos. Prestem mais atenção no racismo camuflado pelas piadas e expressões, utilizadas pelas próprias pessoas que levantam a bandeira contra o preconceito. Por que a “coisa está preta”? Vem aí uma “nuvem negra”. Eu nunca vi uma nuvem negra. Também nunca passei por um período do negro. Talvez ruim. Por que tanto se fala em humor negro? Por que o humor é negro? Quer dizer que até a piada, quando desqualificada moralmente, é considerada “black”? Não nos parece absurdo, que o “negro”, do humor, seja usado como um adjetivo ruim? E agora, nesse momento, me veio a cabeça a ridícula estória da inveja “branca”. A inveja, que por si só é um dos 7 pecados capitais, classificada como um sentimento ruim do ser humano, passa a ser boa e legítima quando considerada “branca”?
Que tal, então, o racismo como o oitavo pecado capital? O boi da cara preta já foi banido (vindo lá da época da inocência), apenas porque a escuridão (a cor preta), assustava mais do que a cor branca (da claridade), num tido excesso de preconceito ao avesso. Repito: deixem as saborosas bananas para o desfrute de todos, e os macacos nos galhos que melhor lhe forem convenientes. Encerro esse artigo com um pensamento:
Só acredito na existência da raça humana, já que outra, tida como alienígena, só nos filmes de ficção científica. A par disso, posso assegurar, com absoluta convicção, que só existe uma única raça. A humana. Não é necessária, portanto, a expressão raça. Ora, se só existe uma única raça, não há motivos, assim, de se utilizar essa expressão. Melhor que ela fosse abolida nos nossos dicionários. O ser humano, e aí sim, ele próprio, é uníssono. São todas as pessoas, livres de preconceitos, de opiniões, de credos. Não há, para o ser humano, distinção de cor, de nome, de preferências, de fortuna, de opções sexuais. Há, e tão somente, portanto, o ser humano em si. Muito melhor seria o nosso mundo, se todas as pessoas respeitassem o próximo, e o enxergassem apenas com um ser semelhante. Deus, para os que acreditam Nele, nunca fez essa distinção. Para Deus, apenas existe o próximo. Eis, pois, o que penso. Márcio Aguiar – 11 de março de 2010, Lisboa.
Acredito que essa questão vai muito além do consciente.
O que pensariam as pessoas sobre Che Guevara, se soubessem que disse “o negro é indolente e preguiçoso, e gasta seu dinheiro em frivolidades, enquanto o europeu tem perspectivas, é organizado e inteligente” (Marian L. Tupy, “Che Guevara and the West”). Ou então, sobre a opinião de Abraham Lincoln:
“Direi que não sou, nem nunca fui, a favor de fomentar de maneira alguma a igualdade social e política entre as raças branca e negra; (…) há uma diferença física entre as raças branca e negra, e eu acredito que ela impedirá para sempre que as duas raças vivam juntas em termos de igualdade e política social;(…) tanto quanto qualquer um, sou a favor de conferir posição superior à raça branca.”
Inacreditável que Abraham Lincoln tenha falado isso, em um debate em Charlestown em 1958? Um advogado defensor dos direitos civis, incrivelmente progressista para sua época, mas que acreditava que a categorização legal, e não social, seria eterna.
Como dizia Gary Klein, “nós ficaríamos ofuscados se tivéssemos de tratar tudo o que vimos, toda a informação visual, como um elemento em separado; e se tivéssemos de desvendar de novo as conexões todas as vezes que abríssemos os olhos.”
O que aponto aqui, é que é uma questão inerente ao ser humano fazer classificações, por mais estapafúrdias que sejam. Raça, religião, gênero, nacionalidade, opção sexual, conta bancária, o que quer que seja. O ser humano tem a tendência de separar as pessoas em grupos.
Os cientistas chamam qualquer grupo de que as pessoas se sentem parte de “in-group” e qualquer grupo que as exclui de “out-group”. É uma distinção entre “nós” e “eles”. Tanto estudos experimentais quanto pesquisas de campo constataram que as pessoas estão dispostas a fazer grandes sacrifícios para ajudar a estabelecer a sensação de pertencer a um “in-group”.
E esse comportamento inconsciente do ser humano é capaz de gerar perigosas discriminações e barbáries.
Excelente, André!
Muito bom o comentário do André Dias. O tempo passou e ainda há muita demonstração de preconceito racial. Os movimentos sociais da consciência não são poucos. Bananas ainda são jogadas nas arenas, porque, segundo os burros, os jogadores negros ainda precisam ser lembrados que são macacos. Mal percebem esses burros que os macacos são as estrelas do espetáculo. Há pouco tempo, um outro burro, norte americano, dono de um time de basquete, foi flagrado soltando declarações racistas para a própria namorada negra, um paradoxo inexplicável.
Interessante! Aqui, suponho, não haverá propriamente uma discussão, mas uma constatação: a igualdade absoluta entre os seres humanos! Talvez a base teórica do nazismo, como citado pelo Márcio, tenha contribuído para tornar ainda maior a ojeriza à ideia da superioridade de uma etnia. Nem a ariana, nem qualquer outra será superior ou inferior.
Todavia… Eu que me dava por vencido, quando discutíamos sobre aborto e consciência, Fernando… Falávamos sobre uma certa volatilidade, flexibilidade, maleabilidade do direito, de acordo com o nível pessoal de consciência… Tudo ficou cinzento! Dizíamos sobre a plenitude da liberdade e da importância da falta de limites… O Contrato Social de Rousseau foi rasgado! Ovídio e Lênin resgatados!
Para Ovídio, a idade de ouro da Antiguidade ignorava o direito, os tribunais, a repressão; tudo se acertava com a prática espontânea da virtude e da boa-fé. Para Lênin, os homens se habituarão a respeitar as regras elementares da vida social sem violência, sem coerção, sem submissão. Esse futuro tarda a chegar…
No que debatemos nos posts anteriores, não restou um direito básico mínimo que permanecesse a salvo… Nem a vida! E num ensaio de Antropologia do Direito, fomos brindados com este artigo, que nos impõe, livres pensadores que somos, a reflexão sobre a existência de um núcleo duro e inviolável de direitos. Se tratássemos a respeito da posição da mulher na sociedade islã, acredito que também seria unânime a inclusão da igualdade entre moços e moças neste núcleo de direitos. Ainda que a petrificação desses poucos direitos seja considerado um mal, não seria necessário o sacrifício coletivo por preservá-la isenta das ondulações do que é ou não é legítimo?
Já consigo ver o Fernando se ajeitando na cadeira para contra-atacar… Por favor, vamos devagar! Take it easy!
Antes que eu me perca no fremir dos debates: belíssimo texto, Márcio! Esplêndido!
Obrigado meu amigo, D. Menezes. Às ordens!
Outro dia assisti a uma matéria no Fantástico, sobre as favelas. A reportagem adentrou em quatro grandes favelas do Brasil e mostrou comunidades em que o Estado não entra. As comunidades ali se resolvem. Tem os comerciantes, tem DJs, tem as famílias, as pequenas escolas, e dali ninguém sai, trabalham, estudam e se divertem. Claro que o gatonet é usado, aliás, tudo é gato. Trago essa matéria porque DM falou nas previsões de Lênin e em um certo ideal anárquico (sei que o ideal não é bem esse). Aquela reportagem mostrava comunidades bem vivendo e convivendo, mas porque ( aí é conclusão minha) elas não se misturavam a outros grupos, a outras classes sociais. Quando as tribos se misturam, os conflitos aparecem. E aí vem o ideal de civilização com as suas regras e leis. O problema é que essas regras e leis não modificam a natureza humana. O racismo, por exemplo, pode ser contido como atitude, mas nunca deixou de ser sentido. Por isso eu usei, no meu primeiro comentário, a expressão demonstração de preconceito. Leis duras e cláusulas pétreas, infelizmente, não modificam a natureza humana. Tenho a impressão de que só a diminuição das distâncias culturais pode diminuir os conflitos.
Fernando, você é um espadachim de extrema habilidade no manejo de seu pensamento afiado!
Você pontilha meus conceitos e faz das minhas concepções uma peneira!
Que nada, meu caro DM. Estou na escola, ensino fundamental. Peneirar suas concepções é algo inimaginável. Esse espaço da CAWdiálogos nos dá a oportunidade de falar um pouco mais e de debater com os amigos. Acho que se eu fosse um espadachim, iria me furar todo.
Esse distanciamento cultural, muito bem colocado pelo Fernando, é o que fomenta cada vez mais o racismo, em todos os seus aspectos.
E observamos isso desde os tempos do Egito Antigo, em referências bíblicas, passando pelo colonialismo, até chegar os dias de hoje.
E, lamentavelmente, a criação de normas, com a suposto objetivo de corrigir os “erros históricos”, tais como as leis de cotas raciais, apenas alimentam o racismo. Eu tenho ojeriza a essas leis.
Vejam que, nos Estados Unidos, o país mais democrático do mundo, há pouco mais de 40 anos, havia escolas para brancos e para negros. Por esses dias, estamos vendo a verdadeira guerra na cidade de Ferguson pela morte de um jovem negro por um policial branco.
Por que ainda isso? A valoração do que envolve a cor de pele branca é imperiosa. Os que não a possui, preferem submeter-se a valoração do cabelo liso, esticado, ao afinamento do nariz, ao clareamento da pele e por ai vai. A mídia aumenta esse distanciamento cada vez mais ao fazer referência do padrão do belo: a pele branca, cabelos loiros, olhos claros e magreza, o que torna o fechamento dessa cicatriz cada vez mais difícil.
As pessoas, independente da cor da pele, não buscam a oportunidade que a vida lhes dão, independente da sua condição, de superar as adversidades e de imporem-se como ser da raça humana, como bem dito pelo Márcio Aguiar.
O racismo sempre existirá, lamentavelmente, mas diminuirá quando cada pessoa, exercitar mais a sua condição de ser humano, cuja existência não é perene no plano material que conhecemos e não depender da quantidade de melanina que sua pele possui.
Algumas cicatrizes nunca se fecham, caro J.A. A história do racismo tem algo de tão tenebroso quanto a própria discriminação em relação a cor da pele. Vejo que a escravidão foi algo devastador. As cotas, embora possam parecer estranhas, num primeiro momento, são necessárias como fórmula imediata de correção. O resto fica por conta da igualdade de condições para todos, na educação e saúde. Talvez aí estejamos todos preparados e em pé de igualdade.
Essa fórmula de imediata correção não me parece eficaz. É um atenuante, apenas. Por vezes, acho que é um estratagema político pior do que a bolsa família. Por que não investir, da forma bem colocada por você, na igualdade de educação e saúde para todos?
Porque ainda vivemos no Brasil de currais eleitorais. É mais fácil controlar o povo quando as pessoas têm de vender o almoço para comprar o jantar, sem que o indivíduo tenha tempo de racicionar, refletir, de se educar.