Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo – Março de 2015

Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo – Março de 2015

0 78

A permanente incógnita das crises financeiras e seus reflexos na condição jurídico-material dos consumidores das sete partidas do globo…

Num trabalho recente que por bem houvemos escrever (Crise Financeira & Direito do

Consumo), publicado em Janeiro de 2015 em curso, definimos tanto as causas e

consequências da crise financeira que se abateu, em particular, sobre os países do Sul da

Europa, como da Irlanda, e suas fundas repercussões na esfera dos consumidores.

O corte, na sua aparente singeleza, é este:

1. Causas da crise financeira

As causas da crise financeira poder-se-ão perfilar brevitatis causa como segue:

a. Endividamento público excessivo, de países com debilidades patentes, v.g., como

os do sul da Europa (Portugal, Espanha, Itália, Grécia) e, noutro quadrante, a Irlanda.

b. Ausência de coordenação política da União Europeia em ordem à resolução do

excessivo endividamento público dos Estados-membros, nos antípodas da

solidariedade inter-institucional que mister seria se edificasse mercê da essência

própria do bloco político, econômico e social destarte arquitectado.

Nem se nos afigura de desenvolver os pontos em destaque que constituem o eixo fulcral

da situação que se abateu sobre Portugal com a corte de consequências, aliás, de

extrema gravidade na esfera própria dos cidadãos-consumidores confrontados com o

inopinado quadro que a todos se nos deparou.

2. Consequências da crise

Em decorrência de factores como os enunciados, os efeitos imediatos que refulgem e

emergem traduzem-se circunstanciadamente em:

a. Evasão de capitais de investimento (geral debandada de investidores estrangeiros

como nacionais)

b. Rarefacção de recursos em ordem a prover os processos de concessão de crédito

c. Agravamento das situações de insolvência de sociedades mercantis de maior ou

menor talhe ante fenômenos de flagrante recessão

d. Espiral de desemprego como consequência imediata de falências em massa ou de

reajustamentos do tecido empresarial em razão de uma miniaturização do mercado

e. Reação popular, por vezes a roçar violência extreme, pelas medidas de compressão e

austeridade encetadas pelos Estados-membros em ordem à contenção da crise e ao

reequilíbrio das contas públicas, como ocorreu patentemente em Espanha e na Grécia e,

de forma mais atenuada, em Portugal (neste passo, pelo enquadramento oferecido pelas

centrais sindicais à turba multa em “fúria”…, há que reconhecê-lo!)

f. Redução dos ratings (pelas agências de valoração de risco) das nações e das

instituições de crédito dos Estados de todo envolvidos na crise… com os reflexos daí

emergentes

g. Precipitação ou reduzido crescimento do PIB dos Estados-membros da União

Europeia em função do global arrefecimento da economia dos países do bloco

econômico de que se trata.

h. Contágio da crise a países outros com relações comerciais estreitas com a União

Europeia. A crise é susceptível de degenerar – e degenera em regra! – em recessão

econômica global.

3. Repercussões na esfera dos consumidores intra muros

Na esfera própria dos consumidores, que constituem a se fator de desenvolvimento e

expansão dos mercados e, a jusante, do mercado de consumo em sentido próprio, as

repercussões imediatas exprimem-se como segue, fruto da quotidiana experiência que

colhemos e ao longo do triénio se foi sedimentando:

3.1. Drástica redução dos rendimentos do trabalho

3.2. Substancial afetação das pensões de aposentados e reformados (e de prestações

sociais outras) com uma enorme frustração não só de expectativas fundadas como de

direitos que se haviam acastelado na esfera própria de cada um e de todos e em parcelas

significativas do seu patrimônio atingidas pelo maremoto da crise

3.3. Surpreendente agravamento de impostos e taxas a todos os níveis, a beirar se não

mesmo a exceder os limites da exaustão fiscal

3.4. Espiral recessiva em todos os segmentos do mercado

3.5. Preços de produtos e serviços essenciais a disparar a se, sem um efetivo controlo

de um pretenso Estado dirigista, ou em razão dos gravosos impostos que sobre eles

passaram a recair [o paradoxo de sobre a energia eléctrica impender um imposto (o de

valor acrescentado) de análoga expressão nominal da de produtos sumptuários…]

3.6. Atualização regular de preços de tais produtos e serviços em percentagens

superiores às dos índices de preços no consumidor com reflexos no empobrecimento

geral, tanto mais que as remunerações do trabalho, de há anos congeladas, assim se

mantiveram ou se reduziram a bel talante do arbítrio feito regra

3.7. Brutal agravamento das rendas de casa (dos aluguéis) em consequência da

denominada Lei das Rendas (rectius: do Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano –

a locação imobiliária – assente numa brutal irracionalidade que escapa à percepção dos

pretensos “responsáveis” políticos) menos ponderada e, a um tempo, injusta em si

mesmo, e em certos termos, para locadores, e de forma brutal para os locatários – brutal,

extensa e profunda.

3.8. Vertiginosa ascensão dos índices de pobreza com uma dorida expressão sobre

as crianças, como se vem realçando, aliás (uma em cada três crianças mergulha na mais

atroz indigência e em condições de vida infra-humanas…)

3.9. Ausência de uma concorrência salutar em segmentos relevantes do mercado de

consumo [combustíveis, eletricidade, serviços postais, em determinadas vertentes

das comunicações eletrônicas, conceito abrangente que vai para além do serviço fixo

e do móvel de telefone (telefonia celular)…], neste passo por inépcia ou

comprometimento das autoridades da concorrência

3.10. Explosão dos índices de desemprego (e agravamento da precariedade no

emprego…)

3.11. Clamorosa redução das prestações sociais (no quantum e no quando) em gritante

afecção de critérios equidade

3.12. Agravamento das condições de acesso à saúde, à educação, aos serviços públicos

essenciais [em que os eixos viários (maxime, as auto-estradas) se situam, fora de

catálogo, porém, e com a introdução das portagens (pedágios) nas que delas estavam

isentos, com o consequente e excessivo “repovoamento” das estradas nacionais, o

agravamento da sinistralidade e a excessiva poluição com que as populações circum-

vizinhas passaram a ser brindadas…] com as ruinosas consequências, pois, para a

qualidade de vida de cada um e todos.

3.13. Agravamento das situações de hipossuficiência e hipervulnerabilidade dos

consumidores (com a criminosa destruição maciça da classe média) que atrai

exponencialmente e faz despertar criminosamente o abjecto fenômeno das fraudes que

sobre eles se abate: recrudescem as situações de artifícios, sugestões e embustes com

reflexos na magra bolsa das vítimas do costume: pirâmides financeiras, produtos

explorados em esquemas multinível, complexos produtos de férias, serviços de

audio-texto, serviços de valor acrescentado em suporte telefônico, pretensos passatempos

das televisões (públicas e privadas) para públicos-alvo economicamente débeis, à

margem de princípios éticos e deontológicos elementares… que se denegam e

olimpicamente se proscrevem.

3.14. Explosão das insolvências de particulares, de forma inusitada e em contraponto

com o que até então se registara. Et pour cause

3.15. O assédio e a influência indevida em produtos financeiros para que são atraídos os

consumidores (o caso dos cheques de Natal não encomendados nem solicitados e que

não constituem o resultado de quaisquer contratos de serviços financeiros validamente

celebrados…), sem a necessária repressão dos pretensos “dadores” de crédito por

reguladores distraídos e distantes…

3.16. Agravamento das condições de acesso aos serviços financeiros, com comissões

exacerbadas e injustificadas, incontroladas e incontroláveis, jamais reprimidas, etc.

3.17. O sucesso fácil das sociedades financeiras à custa dos incautos e dos

consumidores economicamente débeis, pecúlio nada desprezível ante o risco do negócio

em condições de aparente normalidade…

3.18. A captura dos reguladores pelos regulados e o que daí emerge em termos de

desregulação, de arbitrariedades, de prepotências e iniquidades… que se abatem

inexoravelmente sobre os cidadãos-consumidores.

Correspondente de Portugal, Membro de Honra da Associação Europeia de Estudantes de Direito (ELSA), Administrador do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Coimbra etc.

Nenhum comentário

Deixar um resposta