As “Associações-Empresa” e as “Empresas-Associação”
- A recusa do “modelo” de “associações-empresa” e das “empresas-associação” porque desvirtuante
A Europa, num embuste de proscrever, entendeu desenhar um modelo assente numa filosofia capitalista e em uma estrutura empresarial transnacional – a CONSEUR, S.A. (que evoluiu para EUROCONSUMERS, S.A., numa adaptação ao inglês, tão em voga ) -, sediada no Luxemburgo (e que opera da forma mais discreta) e com antenas mercantis num sem-número de países, tanto na Europa como na América do Sul (como é patentemente o caso da Proteste, no Brasil, seja qual for a forma que in situ revista ou assuma).
Trata-se de uma subversão autêntica do convencional modelo associativo dominado por um Ideal prosseguido através de estruturas institucionais cujo escopo se aparta do egoístico (em que a persecução do lucro é o leit motiv…), em que não há, em rigor, associados, antes assinantes de revista (s) arregimentados através de perniciosas (e condenáveis) estratégias mercadológicas (persistentes, assediantes acções de marketing directo) que, ainda que denunciadas, em geral, são marcadas por uma intolerável impunidade.
A excepção que bem pode servir de espelho de virtudes aos Estados-nação em que um tal equívoco tende a grassar com graves consequências para o modelo associativo convencional (e que é susceptível de esvaziar o movimento associativo do que lhe é próprio e dos princípios e valores que lhe subjazem) é a que a CODACONS (Coordenadoria das Associações para a Proteção do Ambiente e dos Direitos de Usuários e Consumidores) * (nota), associação italiana de direito privado sediada em Roma, deu, em tempos, nota, através de um comunicado que reza o que segue:
Subordinado ao dever legal e de acordo com o Artigo 1o da Lei n.º 281/98, atualmente artigo 2.o do Código de Consumo (Decreto-Lei 206/05), que obriga a fornecer informações corretas ao consumidor, devemos comunicar o que segue:
A entidade conhecida como Comité para a Defesa do Consumidor – ALTROCONSUMO, com sede à Via Valassina 22, Milão, foi objeto de decisão judicial definitiva, prolatada em 15 de fevereiro de 2006, pelo Supremo Juiz Administrativo do Conselho de Estado, cujo julgamento 611 (pode ser consultado em www.giustizia-amministrativa.it), pelas razões explicitadas no comunicado à imprensa anexo, sustentou a anulação do Decreto do Diretor-Geral da Administração de Harmonização do Mercado e Proteção do Consumidor (um departamento do Ministério Italiano de Atividades Produtivas), datado de 28 de novembro de 2002, pelo qual a referida entidade foi acrescentada à lista de associações reconhecidas pelo artigo 5.o da Lei n.o 281/98 (atualmente artigo 137, Decreto-Lei 206/05).
Como consequência da referida sentença, essa entidade não deverá e não poderá mais ser chamada de associação conforme definido na lei retromencionada.
De facto, foi provado que essa entidade é sustentada por empresas lucrativas italianas e estrangeiras.
Essa entidade deve também ser removida de quaisquer órgãos italianos ou estrangeiros nos quais tenha sido admitida como uma organização sem fins lucrativos para a defesa dos consumidores e, portanto, também das organizações internacionais de consumidores.
Portanto, os destinatários do presente ficam obrigados a comunicar por ocasião de qualquer citação de atividade, pesquisa ou teste de produto executado pela ALTROCONSUMO que, retroativamente a 2002, ela não se encontra na lista pertinente ao Artigo 5.o da Lei 281/98 (atualmente 137 do Código do Consumo, Decreto-Lei n.º 206/05) e nas diretivas europeias que a ela se refiram.
Com efeito, esta modelar decisão do Consiglio dello Statto italiano (Conselho de Estado, à semelhança do francês Conseil d’ État ou do Supremo Tribunal Administrativo português) põe termo a um equívoco que perpassa por outros países ainda, como a Bélgica, de onde é oriundo um tal molde (em que protagonista principal é a Test-Achat), a França, a Espanha (OCU – Organização de Consumidores y Usuários), Portugal (Deco-Proteste, Limitada, e Deco-Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) em que os planos pretensamente associativos e os objectivos marcantemente mercantis das sociedades comerciais se cruzam e confundem e se espraiam pela comunidade como se fora uma associação de consumidores autêntica, autónoma e genuína, quando na realidade é de uma firma comercial que se trata e cujo objecto é o da comercialização de um sem-número de publicações (revistas) como a Dinheiro & Direitos, a Proteste (testes comparativos), Teste Saúde, Poupança Quinze, Invest…, numa profusão de títulos que nenhuma associação de consumidores, honestamente criada, jamais se permitiria por razões de franca economia, éticas e de transparência.
As associações de consumidores vazadas em modelos convencionais – e assentes numa concepção que tem por cerne o Ideal que o não o Material – dispõem de um só veículo – uma revista susceptível de tudo abarcar, mesmo nos países mais desenvolvidos e nas mais prósperas das associações porque suportadas pelos seus filiados de raiz e pelos serviços que prestam eventualmente a terceiros, numa base de manifesto desinteresse material.
As associações de consumidores autênticas, autónomas e genuínas não adoptam métodos negociais desleais, como as estratégias mercadológicas que tais empresas desenvolvem e de que se nutrem, em autêntica contrariedade à lei, com comunicações não solicitadas à revelia do que as normas, em geral, prescrevem, com o recurso permanente ao spam – ilicitamente desencadeado – por meio de mala postal electrónica.
As ilegalidades que se acumulam desmesuradamente não são perseguidas pelas autoridades que detêm atribuições e competências neste particular. Em especial em Portugal e em Espanha, para não referir o mais.
Para além do que se consigna nos passos precedentes, registe-se que os jornais nos dão, por vezes, conta de promiscuidades sem par em processos de mascaramento ou encapotamento que de todo importa denunciar.
Atente-se no que o PÚBLICO, na sua edição de 24 de Julho de 2006, em fundado artigo da autoria do jornalista José António Cerejo, revela a tal propósito:
Presidente da Altroconsumo dirige a Deco-Proteste há um ano
Número um da organização italiana é o principal representante da Euroconsumers na sociedade que edita as revistas dedicadas à defesa do consumidor em Portugal
O presidente da Altroconsumo, a organização de consumidores transalpina que o supremo tribunal administrativo de Roma excluiu há meses da lista das associação de consumidores italianos, desempenha desde o Verão do ano passado as funções de presidente da Deco Proteste Ld.ª, a editora da Pro Teste e das outras revistas ligadas à Deco.
Paolo Martinelli, além de presidir à Altroconsumo, pertence também aos conselhos de administração da Euroconsumers SA – a empresa luxemburguesa que detém 75 por cento do capital da Deco Proteste (cabendo o restante à Deco, Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) – e de duas editoras italianas controladas pela Euroconsumers.
A circunstância de Martinelli acumular a direcção da Altroconsumo com a administração destas editoras, que são detidas num caso a cem por cento e noutro a 70 por cento pela Euroconsumers SA e editam revistas congéneres da portuguesa Pro Teste, constituiu o fundamento do acórdão que retirou àquela organização a capacidade legal de representar consumidores e o direito de receber apoios do Estado italiano (ver PÚBLICO de 20/7/2006).
No caso da Deco Proteste, que até ao princípio do ano passado tinha o nome de Edideco, o advogado italiano substituiu Maria Lídia Barreiros, que representava a Euroconsumers SA na administração da empresa, juntamente com três administradores belgas daquela sociedade.
A Euroconsumers SA é uma sociedade luxemburguesa cujo capital era maioritariamente detido, até há pouco, pela associação de consumidores belga Test-Achats e por uma cooperativa homónima, participando também no capital duas das editoras controladas pela sociedade em Itália e em Espanha e um antigo dirigente da união dos consumidores luxemburgueses (três por cento).
Situações do jaez destas não são nem prestigiantes para estes conglomerados empresariais em que os desvirtuamentos imperam, nem salutares para o movimento autêntico de consumidores em que se propalam ainda os princípios na sua pureza original, já que os deliberados equívocos que tendem a gerar-se visam ludibriar os consumidores, enredando-os em processos nada transparentes de que são, afinal, as principais vítimas neste jogo de espelhos em que ninguém se reconhece, afinal.
Mais grave é que as associações, pretensamente de escopo altruístico, nem sequer tenham filiados, antes considerem como associados seus os assinantes de revistas de empresas transnacionais em que detêm, quando muito, uma quota na participação social que, no caso português, ascende a 25%.
A mais que isso, o embuste decorrente do facto insólito de cunharem uma empresa transnacional de escopo egoístico, uma sociedade anónima multinacional, como associação sem fins lucrativos, o que constitui um inaudito atestado de estupidez passado aos cidadãos-consumidores em geral e, em particular, aos que são enredados no processo que os levam a subscrever as revistas da entidade multinacional, como consta, aliás, de uma afirmação feita ao jornalista José António Cerejo, do PÚBLICO, periódico editado em Lisboa:
Quanto à Euroconsumers, qualificou-a [o secretário-geral da pretensa associação de consumidores, a Deco] como “uma ASBL” (associação sem fim lucrativo) – embora seja de facto uma sociedade anónima – e disse que não há qualquer repartição de lucros.
“Revertem para uma fundação que os orienta para o movimento associativo.”
De acordo com as últimas contas depositadas na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a Deco Proteste, Ld.ª, obteve em 2003 um lucro líquido de um milhão e 811 mil euros.
Não há elementos actuais disponíveis acerca dos impressionantes lucros de uma tal empresa, mas a pretensa associação assevera que tem para cima de 420 000 “associados” (dados de Fevereiro de 2014 revelados ao Diário de Notícias, de Lisboa (as aspas são de nossa exclusiva responsabilidade), o que, a ser verdade, levaria a que esse número assinalável de assinantes de revista ou revistas sobrepujasse o que de mais relevante se conhece no seio damídia na Europa (não se ignore que o PSOE – Partido Socialista Operário Espanhol – dispõe de 198 000 associados, num universo de cerca de 45 000 000 de habitantes, conforme dados revelados na edição electrónica de 12 de Julho de 2014 pelo jornal El País, de Madrid).
O facto de entidades empresariais (que deliberadamente se confundem com associações de escopo não egoístico) estarem eventualmente isentas de impostos constitui uma forma de evasão fiscal, que não pode de nenhum modo tolerar-se. A mais que isso, não se consente que recebam eventuais subvenções do Estado sejam quais forem as actividades a que se destinem.
E que estejam legitimadas, como ocorre em Portugal, como titulares da acção popular, por exemplo, como sucede entre nós, quando a lei expressamente o veda, tal como se pode conferir ao transcrever-se o artigo 3.º da Lei da Acção Popular (Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto):
Art.º 3.º
Legitimidade activa das associações e fundaçõesConstituem requisitos da legitimidade activa das associações e fundações:
a) A personalidade jurídica;
b) O incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se trate;
c) Não exercerem qualquer tipo de actividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais.
E, no entanto, não raro aí está o “braço” associativo da empresa (ou a “associação”, detentora de títulos de uma empresa mercantil editorial) a demandar os seus concorrentes ou outros que no mercado violam alegadamente a lei… em detrimento do consumidor!
Ademais, o que a empresa desenvolve, em termos nem sempre transparentes, como actividade mercantil, surge nos media (na mídia) imputado à associação, do que lhe advém um acréscimo de exposição, de notoriedade em detrimento das associações autênticas, autónomas e genuínas que desenvolvem no mercado de consumo as suas actividades e que são assim ofuscadas na sua acção, desacreditando-se, quer porque os níveis de intervenção são inferiores a esse cúmulo empresa + ”associação” quer porque o Estado as segrega da partilha dos dinheiros de um Fundo (constituído não por dinheiros dos contribuintes, mas dos consumidores que não reclamaram as cauções depositadas nos serviços públicos essenciais no momento da celebração dos contratos de fornecimento respectivos).
Daí que este conúbio associação/empresa e/ou empresa/associação, densificado pelo emprego comum de um “petit nom” , adoptado, de resto, no giro comercial de uma delas, seja, para além de ilegal, algo que caberia ao Ministério Público, como garante da legalidade, contrariar mediante as competentes acções judiciais, factor de um ludíbrio permanente da comunidade de consumidores, que nem sequer é respeitada por uma “entidade” que supõe ser una (uma e uma só) e que entende estar ao seu serviço, de modo directo ou reflexo.
Parece curial que um tal modelo seja de proscrever como de deplorar que advogados haja que “arvoram” os seus escritórios mal sucedidos em “associações” para tirarem vantagem da ignorância dos consumidores e se locupletarem à custa alheia e em detrimento dos interesses reais e autênticos das vítimas do mercado, duplamente vítimas na circunstância.
O pretenso modelo, a que a Europa mal reage (mas que serve “pour épater les bourgeois”, para iludir os “parolos”, os “papalvos”, como se diz em bom português e para exportar para a América Latina…) não pode ser saudado como um figurino de propor ou de recomendar.
Pelo contrário, há que convocar as autoridades a que incumbe a salvaguarda da legalidade para que estes embustes, estes artifícios e estas associações-fantasma sejam denunciados, desmascarados e clarificadas as situações: a cada um o seu espaço, empresas com empresas, associações no universo próprio do tecido associativo sem subversão dos fins nem corrupção dos meios.
Até para se respeitar em plenitude o estatuto do consumidor e a sua sacrossanta carta de direitos.
No mais, a abjecta exploração dos consumidores por pretensas associações que se dizem ao seu serviço só reforça a repugnância que situações do jaez destas provocam nas pessoas mais esclarecidas e críticas que reagem com veemência à forma como tais “instituições” desconsideram todos os que enredam na sua execrável trama porque tecida de vis indignidades.
A esta vilania há que reagir de forma enérgica, assumindo os cidadãos-consumidores as atitudes consentâneas que o continuado logro – que da Europa transpõe fronteiras para a América do Sul e para África – exige, reclama instantemente!
O desafio que neste particular se consubstancia é o de se pugnar incessantemente, no terreno, contra esta confusão conceitual de associações/empresas e de empresas/associações, geradora de inestimáveis prejuízos, em que se enredam os consumidores na sua inocência, candura, ingenuidade, marcante boa-fé…
A mais feroz recusa, a mais inflamada rejeição a “este” engenhoso “modelo” que considera os consumidores como rematados “papalvos”… a quem parece lícito “vender gato por lebre” também aqui!
Força é escorraçar os “vendilhões do templo”.
Haja um Cristo de chibata em punho que se disponha a escorraçá-los, passe a aparente e vaga justaposição a uma qualquer intervenção panfletária em artigo com o estilo e a configuração deste.
Uma lei das associações neste passo recortadas é algo de imprescindível para frear ab ovo estas artificiais construções em detrimento dos consumidores e das associações que se reclamem de genuinidade e de estrita observância ao Ideário em que se revêem os seus membros fundadores e os mais que se lhes juntem.
A exposição no pelourinho público e o tratamento adequado a tais “associações” – eis o que se exige para estes malandrins que zombam da ingenuidade dos mais e colhem vantagens acrescidas do seu sórdido labor!
(nota) A CODACONS é uma associação de consumidores inscrita na lista de associações de consumidores e usuários, que representa a nível nacional, de acordo com o Artigo 137, do Decreto-Lei 206/05 (Código de Consumo) e Decreto do Ministério da Indústria de 15 de maio de 2000 e, como tal, componente do CNCU Conselho Nacional de Consumidores e Usuários, possuindo legitimidade para atuar na tutela dos interesses coletivos, com base no processo especial, conforme artigos 139 e 140 do referido Decreto).
É, outrossim, O.N.L.U.S. – Organização sem fins lucrativos de utilidade social -, de acordo com o Decreto-Lei 460/97, Associação de Voluntariado reconhecida conforme Lei 266/91 e Associação de Proteção Ambiental reconhecida conforme Lei l 349/86.)
Talvez a política de isenção de impostos em benefício dos que não têm finalidade lucrativa seja um ponto a se repensar. O universo de pessoas que lucram em atividades declaradas como não lucrativas é enorme. É muito fácil vestir pele de cordeiro. Não é difícil o lobo disfarçado entrar na fazenda e ficar por lá se dando bem.
Lamentavelmente, no Brasil as associações estão isentas de tudo, inclusive de fiscalização, salvo quando recebam verbas públicas. De um lado, delegados admitem que resta “praticamente impossível a quantificação e o rastreamento dos valores desviados ante a possibilidade de pagamento por dinheiro vivo, sem a necessidade de recibo, podendo-se dizer que os coordenadores das associações podem se apropriar da quantia que bem entenderem sem deixar provas e rastros dos recursos” (STJ, PExt no HC 281998). Do outro, afirma-se que sequer o Ministério Público tem o poder de fiscalizar as associações (STJ, SLS 1.745).
Após mais de 19 séculos, foi abolido o limbo católico, o lugar sem latitude ou longitude para onde seguiam os pequeninos que faleciam sem batismo. Quanto tempo haveremos de esperar para a solução do limbo jurídico das associações? Precisaremos de um conclave de santos…
Por ora, impecável mesmo é este artigo do distinto Mário Frota!
Perfeito, D. Menezes.