Para Fortalecer os PROCONs
Tramita no Congresso Nacional, sob acesos debates, o Projeto de Lei 5.196/2013, que propõe acrescentar o Capítulo VIII ao Título I da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e o parágrafo único ao art. 16 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais).
Conforme consta das considerações apresentadas em conjunto pelo Ministro da Justiça e pelo Advogado-Geral da União, “o objetivo da medida é conferir maior efetividade e eficácia às decisões das autoridades administrativas de defesa do consumidor, em especial dos PROCONs, para que, além da aplicação de multas, possam estabelecer medidas corretivas aos fornecedores que incorram em infrações aos direitos dos consumidores. Outro objetivo é permitir que as conclusões das audiências realizadas pelas autoridades administrativas de defesa do consumidor possam ser utilizadas pelos Juizados Especiais, evitando-se duplicidade de procedimentos e garantindo maior agilidade”.
A proposta prevê a criação do art. 60-A, conferindo à autoridade administrativa o poder de aplicar “medidas corretivas”, como a substituição ou reparação do produto; a devolução da contraprestação paga pelo consumidor mediante cobrança indevida, o cumprimento da oferta apresentada pelo fornecedor e a devolução de quantia paga pelo consumidor. O projeto de lei ainda versa sobre a possibilidade da aplicação de multa diária, revertida aos fundos de proteção ao consumidor.
Também se depreendem do texto em discussão duas estratégias para encurtar a peregrinação do consumidor pelos tortuosos caminhos do Judiciário: uma está no protótipo do art. 60-B do Código de Defesa do Consumidor, dotando “as decisões administrativas que apliquem medidas corretivas” do caráter de título executivo extrajudicial. A outra pretende prover o art. 16 da Lei dos Juizados Especiais de um parágrafo único, com o qual o pedido instruído com o termo da audiência de conciliação frustrada no órgão consumerista importará na imediata designação de audiência de instrução e julgamento.
As principais censuras que o projeto tem sofrido dizem respeito à inconstitucionalidade da atribuição a órgãos consumeristas e, portanto, parciais, sem estrutura técnica ou preparo jurídico, de poderes próprios de autoridades judiciais. Estaria ferida a “reserva de jurisdição”.
Alguns congressistas lembraram que, por recomendação do Ministério da Justiça, a intenção de qualificar a decisão dos PROCONs como título executivo extrajudicial foi vetada pelo Presidente da República na ocasião em que sancionou o Código de Defesa do Consumidor, em 1990 (art. 82, § 3º). Ainda assim se admite ao compromisso de ajustamento de conduta a eficácia de título executivo extrajudicial (REsp 222.582, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, julgamento em 12/03/2002, Primeira Turma do STJ, DJ de 29/04//2002).
Até então, o fruto que se pode colher é o reconhecimento da lentidão do Poder Judiciário na resolução de conflitos simples, na sua maioria, e da necessidade de se implementar, efetivamente, um sistema de harmonização das relações de consumo.
Entendo que o projeto de lei 5.196/2013 realmente fere o princípio da divisão do poderes. Atribuir ao Procon atividades inerentes ao Poder Judiciário violaria literalmente a Constituição Federal. Além disso, os órgãos do Procon com os quais milito são totalmente despreparados para as novas funções que lhes seriam atribuídas com a aprovação do projeto de lei e não possuem nem mesmo uma estrutura física adequada. Os funcionários e coordenadores não possuem nenhum preparo e conhecimento para lidar com as relações de consumo e na maioria das vezes são pessoas contratadas pela Administração sem concurso público, por prazo de determinado e a título precário, conseguindo a sua nomeação apenas pelo fato de ser “amigo” do Prefeito. Por outro lado, concordo com a atribuição de novas funções ao Procon, desde que este órgão tenha capacidade para tanto, com melhoria na estrutura física e preparo dos funcionários que deverão ingressar no cargo somente através de concurso público que exija do candidato conhecimento suficiente para a função que irá ocupar.
Concordo, Amanda! É importante considerar que há no meio jurídico um ranço de rejeição de toda forma alternativa de solução de conflitos, que não seja pela via judicial. Logo se fala de ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF). Esse pensamento deve evoluir. Nunca houve um monopólio do Poder Judiciário na resolução de litígios. Antes de haver Estado e muito antes de se pensar em Estado-juiz, já se fazia necessário apaziguar ânimos na forma de um cordial aperto de mãos, ou decidir o vencedor através de um terceiro que punha fim à disputa.
Ainda vale lembrar que, embora seja vedada a cláusula compulsória de arbitragem nos contratos de consumo (art. 51, VII, CDC), nada impede a celebração de compromisso arbitral entre consumidor e fornecedor. Nessa linha, me atrevo a dizer que o PROCON poderia funcionar como um juízo arbitral. Até mesmo quando a questão em debate exigir conhecimento técnico especializado, poderá ser realizada perícia, conforme os mecanismos da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) que o STF já teve chance de declarar constitucionais (SE 5.206 AgR/EP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 12/12/2001, DJ de 30/04/2004).
Mas, realmente, os PROCONs, para serem reverenciados como honoráveis instâncias em matéria consumerista, precisam de uma larga reestruturação, a começar pela fiel observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, CF).
Seguiremos “cawdialogando”, Amanda!